segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

AINDA SE MATA POR AMOR??!!



Parece uma contradição, mas ainda se mata por amor, em nome dele. Apesar do desenvolvimento da sociedade, domando os instintos humanos e, a lei contendo o exercício arbitrário das próprias razões nas pessoas que pretendem "fazer justiça" com as próprias mãos, sempre têm aquelas pessoas que atentam contra a vida social, transformando um relacionamento em um caso passional, de polícia. Paradoxalmente, quem assim age está querendo, com frequência, manter o status quo defendendo as relações de dominação que ainda existem na sociedade. 

O amor por ser amor é livre, irracional e naturalmente instintivo mas, libertador na sua essência mais nobre, Por isso, por vezes também, não respeita as regras e desconhece todas as convenções, limites e até os sexos. Quando o amor se torna patológico afeta os seres humanos e esse vai desafiar a sociedade, representando um perigo a sua própria ordem. Por natureza o amor é transgressor e, vez ou outra, desestrutura as relações a sua volta. Isso porque o que o move as rodas do amor é o desejo, uma necessidade que só pode ser aplacada com a tentativa de sua satisfação e, quando patológico, sempre aplacada no ápice do egoísmo humano.

Assim como tem uma força unificadora, o amor é também rapidamente abatido pela fragilidade ou ambivalência dos sentimentos humanos e quando isso ocorre com um dos parceiros, o outro sente que a união está se desfazendo e pode surgir um outro sentimento muito arrebatador fundamentado numa consciência de resgate, como se houvesse ocorrido uma posse esbulhada: numa ira "justificada" e "justa". E como tal, para se defender uma posse, o ser humano exercita um direito seu, um poder discricionário, inclusive usando-se da força, num ato primal, mas também cultural para defender a coisa... mas, não estamos falando de coisas, como bem entenderam!

UM PROBLEMA PATOLÓGICO.

O amor é um sentimento de ligação a algo ou alguém, intrínseco ao ser humano normal. Quando vinculado a uma pessoa, pode apresentar um caráter afetivo múltiplo, díspar e contrastante. A expressão francesa "amour-passion" que indica uma forma de emoção avassaladora que domina a personalidade de quem ama e assemelha-se a um estado psicótico delirante, em que um parceiro vê no outro a fonte única e absoluta de sua felicidade, auto-estima e da sua sobrevivência emocional, contrasta com o significado aristotélico no qual o amor de quem ama só quer o bem a quem se ama e não, simplesmente, apropriar-se do bem que está na coisa amada.

Das várias violências contra as mulheres, a que mais particulariza e denuncia a luta delas por seus direitos civis e de dignidade é a crescente taxa de assassinatos com características passionais, ditos crimes por amor. Eventualmente, o "locus" dessas violências domésticas "de pobres" perde essa dita exclusividade e ganha repercussão nacional na imprensa e na internet, quando está associada a uma figura influente da sociedade brasileira. Quando casos de amor assim, notórios, se transformam em tragédias, percebe-se que há ainda quem mate por amor!

As transformações que ocorrem no mundo contemporâneo no que diz respeito às relações homens-mulheres vieram do ideal de igualdade entre os sexos. As mulheres estão aprendendo a pronunciar a palavra NÃO. Isso criou uma situação inédita para muitos homens, ainda presos ao modelo de ideologia machista de dominação, posse e autoritarismo sobre as mulheres que esses dizem amar. A tônica ideológica amorosa do sexo forte é a que todo homem que é "homem de verdade" sabe o que é bom e necessário para a sua parceira e, renunciando, as mulheres precisariam aprender a serem mais submissas e a darem mais que receber.

Essa fórmula machista para a felicidade afetivo-sexual feminina tem, contudo, seu preço, seu ônus: nunca questionar, enfrentar, trocar ou rejeitar esse parceiro. Para homens com essas opiniões e atitudes, o não feminino desencadeia delírios de ciúme e erotomania (ilusão delirante de ser sempre amado) que enfraquecem e deformam a dimensão de seus egos, incapacitando-os "total e momentaneamente" para a mediação necessária entre os seus impulsos e a realidade objetiva e, alguns, como compensação, se acham no direito natural de perseguir ou matar suas parceiras.

Não podemos ignorar os ditames do inconsciente, mas esses não nos podem servir para absolver da responsabilidade dos atos cometidos por essas loucuras particulares. A pergunta é: como lidar juridicamente com a questão da responsabilidade penal na loucura "momentânea"? As consequências da inimputabilidade, mediante as medidas de segurança, associadas às loucuras transitórias dos crimes passionais recaem num sistema jurídico também machista que até muito pouco tempo, no direito penal, ainda se admitia e se considerava, absurdamente, termos de atenuação como: legítima defesa da honra ou tomado de forte emoção, dentre outros!

Certo é que em nome do amor não se tira a liberdade, se tortura, se bate ou se massacra alguém. Mata-se, sim, pela onipotência, egoísmo e impunidade jurídica no Brasil. Os crimes passionais, assim como são entendidos, desaparecerão quando desaparecer no homem a ideologia da supremacia do sexo forte, quando desaparecer a ideologia que força as mentes do nosso judiciário a se dobrarem aos desvios "latinos", de uma cultura machista e, por fim, quando a razão vencer aos condicionamentos históricos, não mais existindo espaço para se discutir o poder de vida ou de morte que alguns se atribuem.
l

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.